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terça-feira, 30 de novembro de 2010

III

Olha, Daisy, quando eu morrer tu hás-de
Dizer aos meus amigos ai de Londres,
Que embora não o sintas, tu escondes
A grande dor da minha morte. Irás de
Londres p’ra York, onde nasceste (dizes —
Que eu nada que tu digas acredito...)
Contar àquele pobre rapazito
Que me deu tantas horas tão felizes
(Embora não o saibas) que morri.
Mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,
Nada se importará. Depois vai dar
A notícia a essa estranha Cecily
Que acreditava que eu seria grande...
Raios partam a vida e quem lá ande!...
(A bordo do navio em que embarcou para o Oriente; uns quatro meses antes do Opiário, portanto) Dezembro 1913

Álvaro de Campos
1915

No fim de tudo dormir.

No fim de tudo dormir.
No fim de quê?
No fim do que tudo parece ser...,
Este pequeno universo provinciano entre os astros,
Esta aldeola do espaço,
E não só do espaço visível, mas até do espaço total.


Álvaro de Campos

DESASSOSSEGUEM-SE!

Fernando Pessoa, Bernardo Soares, Lisboa

Onde é que os mortos dormem? Dorme alguém/ Neste universo atomicamente falso? (Álvaro de Campos)


Fernando Pessoa curvou a estrada há 75 anos

A morte é curva da estrada
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.

A terra é feita de céu
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho.

Fernando Pessoa
23-5-1932

terça-feira, 6 de julho de 2010

terça-feira, 29 de junho de 2010

Percorrendo a cidade com Cesário Verde V

Aqui, um beco sem saída. Viro-me. Saio de casa e as estreitas ruas, encruzilhadas e afogadas em certeiros, precisos e apressados passos conduzem-me onde eu não quero ir. Quem era aquela que passou por mim? Ao fundo vai outra, a mesma rapariga. “Bom dia, vizinho”, diz-me alguém e eu não respondo. Vejo ao longe: passou, delicadamente alguém, sobre a passadeira por contraste com quem espera por um verde para andar. “És livre”, dizem-me, “Mas não podes ir agora. Somos muitos e por isso há muita liberdade para organizar. Vai agora, corre. Mas vai só se quiseres”; ela já dobrou a esquina. Acabaram-se as ruas que me levam, por um ou outro caminho, sempre a casa: finalmente a baixa! Mas… um prédio, outro! Como as pessoas que passam por mim, vejo sempre a mesma, menos uma. Onde andará? Sigo ao Bairro Alto, contorno a Estrela e o Príncipe Real, onde vi, há dias, um velho que dava, junto da neta, sementes aos pombos. (Que será da neta? Corria tão bem e alegremente!). Atravessei Cais do Sodré a Belém, Praça do Comércio ao Parque Eduardo VII, e não a vi. Tantas ruas afogadas sobre o rio, só me deparei com becos sem saída. Subi ao Castelo. Olhei a vista: tantos telhados que cobriam casas vazias, como as pessoas por mim certeiras, precisas, apressadas, uma e outra vez outra sempre a mesma. Perdi-a na esquina. Onde andarás tu, Lisboa?

Pedro Sequeira nº18 11ºL

quarta-feira, 9 de junho de 2010

EU QUERO SER LIVRE

Eu quero libertar-me de tudo o que prende
A mim e à minha mente
e apenas Viajar

Andar sem sentido sem bússola nem mapa
Nas costas uma mala vazia
Na barriga ar na boca seca saliva
Mas libertar-me

Eu quero
Gritar quando todos estão calados
Correr quando todos estão quietos
Quero saltar quantos estão deitados
Sonhar quando todos sonham dormidos
E sonhar também acordado

Quero viver sem ideias feitas
Sem preocupações nem desfeitas
Viver apenas respirando comendo dormindo
Pensando e Escrevendo
E ser livre

Livre da razão para poder dizer todos os disparates
Livre da sintaxe e poder ter suficiente liberdade
Para gritar que quero voar como peixes e nadar como pássaros

Eu quero ser livre


João Carola 11ºH

Percorrendo a cidade com Cesário IV

O Sol, a meio da tarde, bate forte nas vidraças dos antigos bairros. As calçadas, das ruas de lata de Coca-Cola, estão apinhadas de provadores, interesseiros, consumidores! Jovens que parecem velhos, velhos que querem parecer jovens. Vestuários excêntricos, pretos de cabedal que brilham nas máscaras de Carnaval envoltas numa tinta desnecessária e arrogante.
Encontrões de nenhum afecto, olhares desinteressados nos pobres e comuns que reluzem com uma montra embelezada e a favor da escravatura.
Aqueles bairros, outrora acumulados de fadistas de pouca fama, são agora substituídos por gente reles, vaidosa e presunçosa.
Um consumo outrora fraco e saudável, agora de uma sede agressiva e ignorante.
A cidade de hoje já não é o que era nas ilustrações a tinta-da-china que se vêem nos livros de Portugal antigo.

Mariana Cruz 11ºL

Percorrendo a cidade com Cesário III


Encontro-me na cidade, uma velha e nova cidade, pequena, simples, mas brilhante. É uma cidade de casinhas brancas contornadas por uma linha verde, azul ou até amarela, consoante o gosto do habitante. Nas janelas vêem-se as cortinas brancas de renda, que parecem ter sido acabadas de lavar a qualquer hora do dia; mesmo ao longe, sente-se o cheiro a frescura e sabonete! Um cheiro que não se esquece.
Os telhados, muito baixos, dão a sombra nas tardes quentes daquela cidade. Nessas mesmas tardes, ouvem-se vozes agudas e roucas, mas bonitas, vozes que contam histórias da vida e nos falam das suas preocupações.
São bonitas as pessoas daquela cidade! Gostam do convívio e da harmonia, gostam de ver e de ouvir, de rir e de tocar, gostam do passeio e da praça e orgulham-se do templo! O templo que visitei, toquei na sua pedra, senti o vento e vi o verde do jardim.
Cidade fria e quente, cidade velha e nova de cultura, de moda, de trabalho e diversão. Cidade de casinhas e prédios novos, cidade de lojas e monumentos. É uma cidade, onde se pode ouvir, falar, rir e cantar!

Mafalda 11ºH

Percorrendo a cidade com Cesário II

Fora, cá fora, é pouco deslumbrante. Nada deslumbra, ao certo, se bem que o seu oposto paira entre as casas por descascar.
Não há luzes; há lusco-fusco. Sente-se o frio do Verão pequeno e o desagrado do comércio quando se passa por cada loja que, moribunda, se pergunta se realmente deverá encerrar para todo o sempre.
A estrada é bem cerrada; como não o fora antes, imagina-se então quão esburacada poderia ter estado... os pés sentem a estrutura de cada aresta sua, e o ar impregna muito lentamente cada pulmão. Faz arrepios. Não há ninguém.
Mas dentro do grande palácio comercial... as luzes! Cada olho é cego com mais de infinitas cores até fechar-se num sono diurno! Tudo é igual a tudo – pernas aqui, pernas ali... a correr ao encontro dos seus tesouros! Remoinho de visões e tempestade de emoções!
Enfim, tudo pára. Já é noite, noite que alguém bondoso concebeu... para conforto dos inteligentes. Eu passo sobre a ponte de ouro e passo pela porta de platinas, para nunca mais voltar.
E ao sossego da cidade moribunda volto, com luzes a piscar, deambulando, epiléptico, louco...


2010/05/21
Teresa Sousa 11ºE

Percorrendo a cidade com Cesário Verde

Estou sentado numa esplanada em plena Lisboa, rica, cinzenta, degradada, apreciando a melhor vista do rio Tejo. Ao fundo, um barco dá entrada no rio, avisando da sua chegada com um ruído alto e desafinado. Levanto-me e, ao percorrer as ruas de Lisboa, um agradável cheiro invade-me a mente, ocupando-se da minha boca e permanecendo ali quente e húmido, como um leve toque da brisa de Verão. Misturado com esse toque, vem também todo o sonho de uma Primavera florida e vistosa. As cores quentes e agradáveis das folhas de Outono e a fria e leve brancura do Inverno.
Nesta grande cidade tudo se movimenta, espalhando o seu aroma pelos ventos da tarde. Ao fundo da rua, um grupo de raparigas, alegres, bonitas, pouco humildes mas bem vistosas, passa depressa pelos jardins de rosas e margaridas macias. Por detrás delas as pequenas casas em redor da cidade começam a adormecer, ficando escondidas do sol pelas grandes torres que se erguem ao fundo, sólidas e escuras. É altura de voltar a casa, para o meu ambiente seguro e quente, onde paira a leveza de uma música calma vinda da televisão ao fundo da sala.

Joana Amaro 11ºE

quarta-feira, 26 de maio de 2010

A única fotografia conhecida de Cesário Verde


O dia em que nasceu Cesário Verde (25 de Fevereiro de 1855)

Depois de décadas terríveis, com invasões estrangeiras, guerras civis e uma miséria impensável, eis que, em 1851, veio a prosperidade. Infelizmente, não durou. No momento em que Cesário Verde nasceu, a 25 de Fevereiro de 1855, a situação económica apresentava sinais inquietantes. As chuvas anormais desse mês estavam a provocar uma crise nos cereais. Num país sem boas estradas e sem caminhos-de-ferro, isto representava pura e simplesmente a fome. Em Lisboa, o alqueire de milho atingia os 700 reis, uma quantia nunca vista. A 10 de Janeiro de 1855, numa aldeia próxima de Coimbra, os sinos tinham tocado a rebate, sinal para o povo se reunir, a fim de organizar um motim com o objectivo de impedir os comerciantes de transportar o cereal para fora.
No dia em que José Joaquim Cesário Verde nasceu - um domingo em que se celebrava o dia de S. Cesário - as cheias tinham alagado parte do país, incluindo a zona à volta de Lisboa, onde seu pai, um comerciante da Baixa Lisboeta, possuía propriedades. Durante uns dias, no meio do Entrudo, a pequena burguesia e a aristocracia tentaram esquecer tudo, optando a primeira por se divertir na festa organizada no casino Lisbonense e a segunda no baile organizado pelos marqueses de Viana. Os políticos pareciam igualmente predispostos ao divertimento. Na Câmara dos Pares, Costa Cabral decidiu atacar o duque de Saldanha com base em que, tendo este alegado doença a fim de não comparecer aos debates, fora visto, na noite anterior, em São Carlos, ouvindo, deleitado, a famosa cantora Alboni, ao que o ministro do reino, Rodrigo da Fonseca, ripostou que, sendo o facto verdadeiro, antes de sair para o teatro lírico, o presidente do Conselho se munira de um capote, a fim de não agravar a moléstia que o afligia. O incidente fez rir a Câmara. Outros, cá fora, não fizeram o mesmo: o povo via o preço do pão subir todos os dias, as exportações do vinho e do azeite haviam estagnado e corriam boatos de que o governo se preparava para mandar soldados para a guerra da Crimeia.
Durante a Primavera de 1855, a tensão social e política aumentou. A 26 de Abril, em carta a Lord Clarendon, o embaixador inglês em Lisboa, Howard de Walden, comentava da seguinte forma o que se passava no Parlamento: «Os deputados […] discutiram […] em geral de uma maneira tão desconexa e irregular que qualquer análise do que disseram é difícil.» A 4 de Julho, o odiado Costa Cabral, que chegara do exílio, apelava ao rei D. Fernando para demitir o presidente do Conselho. Conhecedor melhor do que ninguém a popularidade do marechal-duque de Saldanha junto do Exército, o regente considerou o pedido desajustado. O clima plácido da primeira metade da década de 1855 parecia estar em vias de se esfumar.
Apesar de tudo, o optimismo não desaparecera. Os jornais continuavam a exaltar a construção das vias-férreas, o Centro Promotor das Classes Laboriosas reunira-se, a fim de tentar convencer os seus membros a enviar produtos à Exposição Universal de Paris e os industriais notavam que, tendo existido apenas uma única máquina a vapor em 1834 (com uma força de 16 cavalos), havia agora 70 (com uma força de 989 cavalos). A crise, pensava-se, era momentânea.
Em parte, assim era. Em 1873, data da estreia de Cesário Verde como poeta, Fontes Pereira de Melo acabava de inaugurar o período que passou à história sob a designação de fontismo, ou seja, o longo arco temporal durante o qual a modernização do país avançou. Mas Cesário não esquecera os terríveis anos das pestes (1856 e 1857) - «Foi quando em dois verões seguidamente a Febre / e a Cólera também andaram na cidade…» - como não esqueceria a dureza da rústica lavoura, os cabelos esgadelhados das pobres vendedeiras da zona saloia ou o olhar rebelde dos artesãos que haviam sido despedidos das oficinas lisboetas. Como diria, em carta a Silva Pinto: «A mim o que me rodeia é o que me preocupa.» Isto não quer dizer que Cesário fosse uma espécie de percursor do neo-realismo. A quem tenha dúvidas recomendo a leitura de «Cristalizações» ou de «A Débil».
Até tarde na vida, não gostei de poesia. O que me haviam feito decorar no Livro da 3ª Classe («Batem leve, levemente…», de Augusto Gil) ou no Liceu (a divisão das orações de «Os Lusíadas») parecia-me uma maçada. Até na Faculdade, onde surpreendentemente, ao longo de três anos, escolhera as cadeiras optativas de Literatura Portuguesa I, II e III, a poesia passou-me ao lado. Ficou-me apenas o primeiro verso do soneto de Sá de Miranda, «O Sol é grande, caem co’a calma as aves…» Tudo mudou, quando li Cesário Verde na velha edição da Portugália. A sua musicalidade penetrou-me como um quarteto de Beethoven.
Li, deslumbrada, «O Sentimento dum Ocidental», imaginando o que ele sentiria enquanto percorria as ruas de Lisboa. Trata-se de uma viagem de alguém capaz de captar as cores, os cheiros e os sons da minha cidade natal: o cheiro da maresia, o ranger das chaves nas fechaduras, o tinir dos talheres num hotel. O poema passa da confusão do início - «Nas nossas ruas, ao anoitecer / Há tal soturnidade, há tal melancolia / Que o bulício, o Tejo, a maresia / Despertam-me um desejo absurdo de sofrer» - para uma visão lúgubre da cidade: «E, enorme, nesta massa irregular / De prédios sepulcrais, com dimensões de montes, / A Dor humana busca os amplos horizontes, / E tem marés, de fel, como um sinistro mar!» Pelo meio, aparecem as linhas inesquecíveis: «Se eu não morresse, nunca! E eternamente / Buscasse e conseguisse a perfeição das coisas!»
Agora, sim, sabia o que era a poesia. A ela fora levada pela clareza do olhar, pela atenção ao quotidiano e pelo anti-sentimentalismo de Cesário. Nada nem ninguém pode explicar um génio, e é de um génio que estamos a falar. Sou capaz de perceber a forma como Eça de Queirós, Camilo castelo Branco ou Júlio Dinis apareceram e se desenvolveram. Mas jamais conseguirei entender como foi possível a alguém, nascido fora das correntes literárias europeias, desprezado pelos intelectuais do período e exercendo a profissão de correspondente comercial, escrever como Cesário Verde escreveu.
Maria Filomena Mónica, historiadora

(Crónica, in jornal Público, 6ªF. 25 Fev. 2005
150 anos do nascimento de…)

quarta-feira, 12 de maio de 2010

A poesia de Cesário Verde

Cesário Verde nasceu em 1855 e morreu em 1886 com 31 anos.